Ansiedade não é doença. Faz parte do nosso sistema de defesa e está projetada em quase todos os animais vertebrados, do peixinho dourado até aquela sua tia histérica. Foi ela que nos trouxe aqui através da evolução. A seleção natural, aliás, favoreceu animais e pessoas preocupadas em excesso. Imagine o seguinte: um grupo de homens das cavernas passeia pelos campos da PréHistória, quando, de longe, aparece um tigredentesdesabre enfurecido. Aqueles mais inquietos, atentos ao mundo à volta, escapam primeiro. Mas os distraídos (e menos ansiosos) são presas fáceis para o animal – e, assim, também acabam eliminados do rol genético da época. Transfira isso para milênios e milênios de evolução e o resultado é que todo mundo é ansioso em menor ou maior grau.
Hoje não há mais predadores vorazes à solta para nos atacar. Mas convivemos com outras ameaças. Psicólogos da Universidade Stanford, por exemplo, provaram que pessoas mais ansiosas perdem menos dinheiro em investimentos financeiros de risco. É simples: quem se preocupa demais aprende mais rápido quando o risco de perder dinheiro é real. Ou seja, a ansiedade pode salvar sua pele.
É meio complicado definir esse quadro. Sim, você sabe o que é ansiedade, mas consegue realmente explicála? O termo em si é novo, tem pouco mais de 100 anos de idade. O primeiro que falou em ansiedade da maneira como a conhecemos foi Sigmund Freud, no fim do século 19, e, ainda assim, com uma definição bem pouco precisa: ansiedade é o medo de “algo incerto, sem objeto”.
O significado mais aceito hoje em dia vem do psiquiatra australiano Aubrey Lewis que, em 1967, descreveu o termo como “um estado emocional com a qualidade do medo, desagradável, dirigido para o futuro, desproporcional e com desconforto subjetivo”. De uma forma geral, a ansiedade é um sentimento incômodo e projetado para o futuro. A pessoa ansiosa vive num estado de alerta constante por causa de uma situação que pode acontecer – e causar sofrimento. É o caso do homem que quer puxar assunto com uma mulher bonita, mas tem medo de ser rejeitado. A crise interna que ele sente nesse momento, em que não sabe se deve ir ou ficar na vontade, é a ansiedade.
Não é à toa que o medo é um sentimento essencial para descrever a ansiedade. Ambos surgem no mesmo sistema do nosso corpo, o límbico, e estão localizados nas mesmas regiões do cérebro: a amígdala, a substância cinzenta periaquedutal e o septohipocampal. As 3 são áreas que fazem parte do nosso mecanismo de defesa, que analisa o mundo à volta à procura de ameaças, registram os perigos e também armazenam novos riscos para o futuro.
A diferença entre as duas sensações está na distância do perigo: na ansiedade, o motivo de preocupação está no futuro; no medo, a ameaça está próxima. Quem teme constantemente ser assaltado na rua, vive num estado ansioso – mas, no momento do assalto, a pessoa sente simplesmente medo. O jeito como o corpo reage a cada um desses estados emocionais também é completamente distinto. Quando sentimos ansiedade, conseguimos agir racionalmente e traçar planos para eliminar o perigo com calma. Já quando sentimos medo, as nossas reações básicas são as mesmas de um animal acuado, que decide se enfrenta a ameaça ou se sai correndo para longe o mais rápido possível. Desde os anos 50, experimentos em ratos e macacos identificaram quais são as regiões do cérebro que regulam a ansiedade e quais são os comandos que elas liberam para o nosso corpo. Por meio de testes que medem as atividades neurológicas de cada área do cérebro, percebeuse que ratinhos ansiosos (aqueles que sentiram somente o cheiro de um gato, mas não o viram) tinham grande movimentação na lateral de sua amígdala e na parte central de seu hipotálamo. Assim, também descobriram que ratos sem a substância cinzenta periaquedutal não sentem medo e são capazes de passar na frente de gatos ou outros predadores tranqüilamente.
Mas infelizmente as coisas dentro da nossa cabeça são um pouquinho mais complicadas do que as dentro da cabecinha de um rato de laboratório. O que influencia, e muito, a ansiedade é a nossa maneira de pensar. “Se a pessoa é muito catastrófica e imagina o tempo inteiro que as coisas vão dar errado, ela sofre mais com a ansiedade”, diz Thiago Sampaio, psicólogo membro da Associação dos Portadores de Transtornos de Ansiedade (Aporta). Essa idéia de pensamento catastrófico faz uma pessoa ser mais preocupada do que outra. E é central para entender a ansiedade no ser humano.
Pegue o caso da mulher que está sozinha em casa e ouve um barulho na porta de entrada. Em vez de lembrar que é seu filho voltando da escola, ela imagina que são ladrões tentando invadir sua casa – e começa a sentir ansiedade. Se tivesse pensado que poderia ser simplesmente o filho, ela não teria sofrido nenhum desconforto. Por mais que essa linha de pensamento seja irracional e automática, é algo que podemos aprender a controlar – sozinhos ou com a ajuda de terapia. Assim, ao contrário do que acontece nos ratos, o processo cognitivo (que é a maneira como pensamos) é essencial para determinar o grau de ansiedade que cada pessoa vai sentir ao longo da vida.
Esse, aliás, é um dos pontos mais nebulosos da ansiedade. Por que meu amigo é tão tranqüilo e eu vivo em estado de preocupação? A resposta pode estar na genética e nas experiências de vida de cada um. Um experimento conduzido pela Universidade Columbia, nos EUA, mostrou que a ocorrência de transtornos de ansiedade, como síndrome do pânico e agorafobia, em gêmeos é de 30 a 40% maior, comparado com o resto da população. Outra pesquisa, da Universidade de Bonn, na Alemanha, até já arranjou o culpado para as nossas preocupações: o gene COMT. Um quarto da população mundial tem uma mutação nesse gene que determina a predisposição ao pensamento catastrófico. Sim, quem tem essa mutação pensa que as coisas sempre vão dar errado – e é mais ansioso.
O que também influencia na predisposição para ser mais ou menos ansioso são as experiências (traumatizantes ou não) que cada pessoa teve. Um homem que já foi assaltado no trânsito por um motoqueiro pode sentir desconforto toda vez que algum motoboy se aproxime do carro dele – mesmo que isso não represente ameaça alguma.
Há outro ponto gerador de ansiedade: ser mulher. Elas costumam sofrer mais com transtornos de ansiedade do que homens por dois motivos. O primeiro é hormonal: “A mulher não produz hormônios regularmente como o homem. No período prémenstrual, por exemplo, o cérebro dela fica privado de duas substâncias calmantes e antidepressivas, que são o estrógeno e a progesterona. Essa produção inconstante causa a TPM e a deixa mais vulnerável aos transtornos ansiosos”, diz Valentim Gentil, professor da USP e Ph.D. em psiquiatria pela Universidade de Londres. O segundo é social: para as mulheres, é natural expressar os sentimentos, e elas são treinadas desde pequenas a externar sensações normalmente. Já o homem aprende que sentir ansiedade é sinal de fraqueza, e tem de aprender a lidar com ela para ser mais bemaceito socialmente |
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